O Tempo do Controle e o Tempo da Vida
- Tainar Undália

- há 6 dias
- 3 min de leitura
Um olhar entre Mateus 6:27, a Psicanálise e a Neurociência
“Pois, qual de vós, querendo, pode acrescentar um côvado à sua vida?” — Mateus 6:27
Vivemos em uma era que idolatra o controle. Controlamos rotinas, resultados, sentimentos, corpos e até o tempo.

Este versículo, simples e poético, convida-nos a refletir sobre um tema urgente: o custo psíquico de tentar controlar o incontrolável — e como a psicanálise e a neurociência ajudam a compreender o impacto disso na mente e no corpo.
A visão da Psicanálise: o ego e a ilusão de controle
Na Psicanálise, o desejo de controle está ligado à ação do ego — essa instância psíquica que busca estabilidade diante da angústia do desconhecido. O ego quer prever, garantir e dominar o que foge ao seu alcance. Mas quanto mais ele tenta controlar, mais se depara com a angústia da impotência, aquilo que Freud chamava de o “mal-estar da civilização”.
O versículo de Mateus 6:27 nos lembra que há um limite para o poder do ego. Nenhum esforço mental é capaz de impedir o fluxo da vida. Em termos psicanalíticos, trata-se de reconhecer que a onipotência é uma defesa — uma tentativa inconsciente de negar a falta, a morte, a incerteza.
“Aceitar que não se pode controlar tudo é o início da liberdade psíquica.”
O sujeito amadurece quando pode abrir mão da ilusão de controle e confiar na experiência. É nesse espaço de entrega — que não é passividade, mas confiança — que nasce o que a psicanálise chama de sujeito desejante, aquele que não busca dominar o mundo, mas se relacionar com ele de modo mais autêntico e simbólico.
A visão da Neurociência: o cérebro sob o peso da preocupação
A Neurociência mostra que a tentativa constante de controlar o futuro tem um alto custo fisiológico. Quando o cérebro se prende a preocupações — tentando prever ou evitar o que não pode ser previsto — ativa-se o sistema de ameaça no corpo, envolvendo estruturas como a amígdala e o córtex pré-frontal.
Esse estado de alerta contínuo libera hormônios do estresse (como o cortisol) e inibe funções essenciais, como a criatividade, o sono e o raciocínio flexível. O resultado é o que chamamos de hipervigilância emocional — o cérebro vive em modo de sobrevivência, mesmo sem perigo real.
“A preocupação crônica é o cérebro tentando controlar o que a alma precisa aprender a confiar.”
Estudos sobre mindfulness e autorregulação emocional mostram que quando treinamos a mente para o presente — aceitando o fluxo da experiência — há uma redução significativa na ativação da amígdala e um aumento na atividade das áreas cerebrais responsáveis pela calma e clareza mental. Em outras palavras: aceitar o que não se controla reorganiza o cérebro para a paz.
O ponto de encontro: da onipotência à entrega consciente
Tanto a psicanálise quanto a neurociência apontam para o mesmo caminho: a mente precisa de entrega para se curar.
Na linguagem psicanalítica, essa entrega é o reconhecimento dos limites do Eu — a travessia do narcisismo para o real. Na linguagem neurocientífica, é a capacidade de regular o sistema nervoso, reduzindo o estresse e reativando o estado de segurança e confiança.
Mateus 6:27, portanto, é mais do que uma advertência contra a ansiedade. É uma lição sobre o equilíbrio entre ação e rendição — sobre saber o que nos cabe transformar e o que precisamos simplesmente aceitar.
viver é permitir-se o fluxo
O controle é uma ilusão reconfortante, mas também uma prisão. A vida flui nos intervalos entre o que podemos fazer e o que precisamos deixar ser.
A psicanálise nos ensina que a maturidade emocional nasce do encontro com o limite. A neurociência comprova que a paz surge quando o cérebro deixa de lutar contra o incontrolável. E a espiritualidade lembra que a fé é o exercício de confiar onde o raciocínio não alcança.
Talvez o milagre não seja acrescentar tempo à vida, mas aprender a estar presente no tempo que já temos.
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